quinta-feira, 8 de março de 2012

Richard Dawkins e a Psicologia: Por que O GENE EGOÍSTA é tão importante para a psicologia?”


Um dos livros que mais marcaram a minha formação acadêmica foi “O Gene Egoísta”, de Richard Dawkins. Lembro que foram muitos os meus colegas de classe que criticaram nosso professor de fisiologia por ter exigido a leitura dessa obra, afinal – diziam eles – “O que isso tem a ver com Psicologia?”.
Voltarei a essa pergunta em breve, mas antes disso, é necessário explicar – àqueles que ainda não conhecem – quem é Richard Dawkins e qual o argumento do livro “O Gene Egoísta”.
Richard Dawkins é um biólogo evolucionista (“biólogo evolucionista” é uma redundância, assim como “psicólogo evolucionista”, mas enfim, falarei sobre isso em publicações futuros) britânico, e além de ter lecionado em várias universidades (com Oxford e Universidade da Califórnia em Berkley) já assumiu a função de titular da cátedra de Compreensão Pública da Ciência de Oxford. Aliás, devido às suas obras de divulgação científica com linguagem altamente acessível à população geral, recebeu em 2005 o “Prêmio Shakespeare” concedido pela “Alfred Toepfer Stiftung”. Como se não bastasse, ele também recebeu a Medalha de Prata da "International Society of Zoology" (1989), o Prêmio Michael Faraday da "Royal Society" (1990) e o Prêmio Kistler da "International Cosmos Prize" (2001), além do fato de ter sido considerado - em 2005 - pela revista "Prospect" como o maior intelectual britânico, e o terceiro maior intelectual do mundo. Atualmente, com seus quase 71 anos de idade, é membro oficial da Royal Society, autor de livros de divulgação científica, colunista de prestigiados jornais ao redor do mundo (como o "The Guardian") e militante ateu, sendo o fundador da "The Richard Dawkins Foundation for Reason and Science" (sobre a qual vou falar na segunda parte dessa discussão). No Brasil, praticamente todos os seus livros já foram lançados pela editora Companhia das Letras: "O Gene Egoísta" (1976); "O Relojoeiro Cego" (1986); "O Rio que Saía do Éden" (1995); "A Escalada do Monte Improvável" (1997); "Desvendando o Arco-Íris" (1998); "O Capelão do Diabo" (2003); "Deus: um delírio" (2006); "A Grande História da Evolução" (2007); "O Maior Espetáculo da Terra" (2009) e, bem recentemente, "A Magia da Realidade" (2012).
Pois bem, agora que você já sabe – ao menos superficialmente – quem é Richard Dawkins, é hora de esclarecer sobre o conteúdo do “O Gene Egoísta”, que causou tanta polêmica na minha turma de psicologia.
Antes de tudo é preciso entender que até meados da década de 1950, não se tinha noção de como nossos genes estavam configurados no núcleo de nossas células e por isso, o conhecimento da genética ainda era bem precário. Com isso você pode imaginar o quão rudimentar era a biologia na época de Charles Darwin (100 anos antes disso). Por causa dessas limitações tecnológicas Darwin morreu sem nunca sequer imaginar o que de fato era o alvo do processo da seleção natural. Por isso, o máximo que ele pode concluir é que as estruturas dos seres vivos sofriam a ação da seleção natural (e sexual) e se configuravam da maneira mais adaptada ao ambiente. Durante os anos que se seguiram, essa “lacuna” deixada pela falta de conhecimento sobre a genética fomentou uma série de teorias – hoje reconhecidas como errôneas, ou incompletas – para explicar como se dava a evolução. Entre essas teorias estava a “Teoria da Seleção de Grupo” que considerava o grupo social ou a espécie como sendo um “super-ogranismo” e que esse organismo era alvo da seleção natural. Essa concepção deu origem à famosa frase que provavelmente você já ouviu sendo repetida por algum professor de biologia: “A evolução age pelo bem da espécie!”. Essa noção equivocada só começou a ser contestada em 1964, pelo biólogo William Hamilton.
Permita-me transcrever aqui um parágrafo do livro “Instinto Humano” de Robert Winston, em que ele descreve como Hamilton chegou à conclusão de que a biologia da sua época estava errada. Não nego que possa ser uma descrição um tanto quanto romanceada, porém, ainda assim acredito que deva ter acontecido de forma muito semelhante na vida real.
No início dos anos 60, um desconhecido estudante universitário norte-americano chamado William Hamilton estava ficando frustrado com a biologia evolucionista tradicional, que, segundo ele, estava repleta de erros sobre a ideia da seleção em grupo. Ele frequentava palestras de biólogos mais velhos que acreditavam firmemente que a seleção em grupo era a principal forma pela qual se processava a evolução. Depois de ir a uma dessas palestras na Universidade de Chicago, Hamilton saiu resmungando: “Alguma coisa precisa ser feita”. (p. 205).
E ele fez! Ao publicar seu principal artigo: "The genetical evolution of social behaviour" (a evolução genética do comportamento social) na prestigiada "Journal of theoretical biology", ele demonstrou matematicamente que a lógica de seleção de grupo era falha, e que o alvo da seleção natural eram os genes, e não os indivíduos ou a espécie. Ele conseguiu enxergar aquilo que Darwin não poderia ter visto (afinal, a estrutura do DNA só foi descoberta na década de 1950, por Francis Crick e James Watson, ganhadores do Nobel). Desde então, sua teorização vem sendo replicada e até o momento não conseguiu ser “vencida” por nenhum outro paradigma, se mantendo assim como a forma mais correta de se entender a evolução. Ou seja, hoje sabemos que a evolução se dá no nível dos genes, selecionando aqueles genes que possuem a capacidade de desenvolver mecanismos capazes de favorecer a sobrevivência e reprodução do indivíduo, e então – só então – cria-se uma sociedade (ou espécie) em que todos os membros tenham essas variações genéticas adaptadas.
Ao longo dos 12 anos, entre a publicação de Hamilton, e o lançamento do livro “O Gene Egoísta”, pelo menos outros três cientistas foram a inspiração de Richard Dawkins: George Williams; Robert Trivers e Edward O Wilson. Falarei sobre eles em outra ocasião, mas você pode pesquisar na internet por enquanto para descobrir quem são e o que fizeram. O que é necessário saber por hora é que todos foram biólogos que contribuíram significativamente (tanto quanto William Hamilton) para aprimorar a compreensão da Teoria da Evolução e inauguraram aquilo que muitos consideram como sendo o movimento dos “neo-darwinistas”, ou seja, cientistas que se baseiam nas descobertas do Darwin (que são assombrosamente assertivas, tendo em vista a tecnologia precária da época), mas vão além, utilizando a tecnologia, o conhecimento científico acumulado até hoje e uma dose significativa de criatividade e ousadia, na tentativa de explicar melhor os fenômenos naturais.
Ai então entra em cena o saudoso Richard Dawkins, que conseguiu criar uma metáfora perfeita para explicar ao público leigo – logo pelo título – o princípio moderno da evolução: o dos genes egoístas. Então, “Gene Egoísta” é uma expressão genial cunhada por ele para explicar de forma simples que a evolução se dá no nível dos genes, ou seja, nas palavras dele todos os seres vivos são “máquinas gênicas” (inclusive humanos) e a lógica é que aqueles genes capazes de desenvolver em suas máquinas hospedeiras habilidades suficientes para sobreviver e se reproduzir, são selecionados. Os que não, são descartados. Tudo isso por um processo cego e caótico chamado “evolução por seleção natural e sexual”.
Ok! Mas você contou um monte de histórias, de biografias, de teorias... Mas o que isso tem a ver com a psicologia?”. TUDO! O livro todo é recheado de exemplos matemáticos e biológicos mostrando que os seres humanos não são especiais no planeta Terra. Nós somos apenas “mais uma espécie”, ou seja, mais um bando de “máquinas gênicas” que funcionam à base de “genes egoístas”. Sigmund Freud já tinha considerado Charles Darwin como sendo o responsável pelo segundo golpe narcísico da humanidade – quando ele mostrou que os humanos (em menor ou maior grau) são parentes de todos os outros animais, e não criados à imagem e semelhança de Deus – então, a forma como o livro “O Gene Egoísta” foi escrita sangra mais ainda essa ferida narcísica. E isso é importante porque nos permite exercitar de forma mais consciente a máxima de Sócrates: Conhece-te a ti mesmo! Dessa forma, descemos do pedestal da superioridade e passamos a entender que não fugimos às regras da natureza, logo, todos os fenômenos são – em última instância – causados por genes que se ativam, ou que deixam de se ativar. Isso significa que: cultura, arte, ciência, tecnologia, efim, tudo isso só existe porque temos genes responsáveis por criar mecanismos específicos em nosso cérebro que nos possibilita apreender a cultura, arte, ciência e tecnologia. Sem esse mecanismo geneticamente construído, não há nada dessas coisas!
Recentemente estava discutindo com uma acadêmica de psicologia que justamente reproduzia o raciocínio falacioso de considerar os seres humanos como sendo algo à parte do mundo animal, e que a cultura seria independente – e até causadora – da biologia. Nada mais equivocado! O pai do funcionalismo, o filósofo – e responsável pela disseminação da psicologia na América – William James, já reconhecia desde o final do século XIX que os humanos não diferem dos outros animais por ter menos instintos. Muito pelo contrário, somos diferentes porque nascemos com MAIS instintos. Quero deixar bem claro que não estou usando William James como referência para argumentar isso; mas apenas como fato histórico. A concepção de que os seres humanos apresentam tal variedade de comportamentos pelo fato de terem mais instintos, e não menos, foi evidenciada por pesquisas científicas avançadas e recentes, tanto a nível de experimentação social, quanto com estudos de neuroimagem funcional e mesmo de genética comportamental, que só vieram a confirmar o que James falou há mais de 100 anos.
Isso nos possibilita entender que a cultura humana é fruto de um conjunto de instintos que outros animais não tem, da mesma forma que os rituais de acasalamento de gorilas africanos são frutos de instintos que nós humanos não temos. Os genes são selecionados para favorecer a sobrevivência e reprodução dos indivíduos de acordo com o nicho ecológico que eles ocupam (nem mais, nem menos). Todos os seres vivos do planeta (e mesmo aqueles que eventualmente possam existir em outros planetas do universo) são os mais complexos e adaptados possíveis às condições de onde vivem.
Essa é uma das razões pela qual sou tão grato àquele sábio professor de fisiologia que exigiu de nós a leitura desse livro. Entrar em contato com uma obra dessa logo no segundo ano de faculdade com certeza foi um diferencial para mim e me possibilitou entender e criticar muitas das coisas que – parafraseando Theodosius Dobzhansky – não faziam sentido à luz da evolução. Quando você começa a perceber que tudo tem uma explicação físico-química (desde a osmose celular à empatia humana) você se vê diante de uma possibilidade quase infinita de adquirir novos – e empolgantes – conhecimentos todos os dias. Usando o jargão psicanalítico, pode-se dizer que esse é o grande gozo dos cientistas.
Tenha um excelente dia, e não deixe de voltar aqui em breve, e ajudar na divulgação desse blog para familiares e amigos.
Muito obrigado!

Referências:
BARKOW, Jerome. COSMIDES, Leda. TOOBY, John. The Adapted Mind: Evolutionary Psychology and Generation of Culture. Oxford University Press: New York, 1992.
COSMIDES, Leda. TOOBY, John. Evolutionary Psychology: a Primer. Disponível em: http://www.psych.ucsb.edu/research/cep/primer.html
DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 2001.
GRAFEN, Alan. RIDLEY, Mark. Richard Dawkins: how a scientist changed the way we think. Oxford University Press: New York, 2006.
MILLER, Alan. KANAZAWA, Satoshi. Por que homens jogam e Mulheres compram sapatos. Rio de Janeiro: Prestígio, 2007.
PINKER, Steven. Tábula Rasa: a negação contemporânea da Natureza Humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
PLATEK, Steven. KEENAN, Julian. SHACKELFORD, Todd. Evolutionary Cognitive Neuroscience. MIT Press: Cambridge, 2007.
PLATEK, Steven. SHACKELFORD, Todd. Foundations in Evolutionary Cognitive Neuroscience. Cambridge University Press: Cambridge, 2009.
WINSTON, Robert. Instinto Humano. São Paulo: Globo, 2006.

2 comentários:

  1. 1- Parabéns pelo blog, excelente iniciativa.

    2- É sempre importante indicar as fontes, especialmente quando for fazer referências a "pesquisas avançadas e recentes", como no trecho a seguir:

    "A concepção de que os seres humanos apresentam tal variedade de comportamentos pelo fato de terem mais instintos, e não menos, foi evidenciada por pesquisas científicas avançadas e recentes, tanto a nível de experimentação social, quanto com estudos de neuroimagem funcional e mesmo de genética comportamental, que só vieram a confirmar o que James falou há mais de 100 anos."

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    1. Muito obrigado Alexandre, pelo apoio e pelo comentário também.
      Bem, o link entre as evidências científicas atuais e o trabalho de William James pode ser visto nesse texto produzido por John Tooby e Leda Cosmides, disponível no website oficial do Centro de Psicologia Evolucionista da University of California - Santa Barbara (http://www.psych.ucsb.edu/research/cep/primer.html). Quanto às outras evidências, realmente são muitas, o que dificultaria listar todas. Mas é possível encontrar um material bem interessante referindo-se a isso no aspecto mais geral em:
      PLATEK, Steven. KEENAN, Julian. SHACKELFORD, Todd. Evolutionary Cognitive Neuroscience. MIT Press: Cambridge, 2007.
      PLATEK, Steven. SHACKELFORD, Todd. Foundations in Evolutionary Cognitive Neuroscience. Cambridge University Press: Cambridge, 2009.
      Valeu pelo alerta, e irei imediatamente incluir essas referências logo abaixo do texto oficial. Muito obrigado, e conto com sua visita em breve! ;)

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